O jejum pré-anestésico constitui uma prática essencial na medicina cirúrgica, cujo objetivo é evitar a aspiração pulmonar durante a anestesia. Por muitos anos, os profissionais indicaram jejuns prolongados como forma de proteção. No entanto, à medida que novas evidências surgiram, especialistas revisaram essa conduta. Atualmente, entende-se que o jejum excessivo pode causar prejuízos metabólicos, desconforto e atraso na recuperação pós-operatória.
Dessa forma, as diretrizes passaram a refletir uma abordagem mais equilibrada, que concilia segurança clínica com bem-estar do paciente.
Ao longo deste artigo, abordaremos essas atualizações, os impactos diretos no pós-operatório e as boas práticas recomendadas com base em evidências científicas recentes.
Por que o jejum pré-anestésico ainda é necessário?
Durante a anestesia geral, os reflexos de proteção das vias aéreas ficam inativos. Por esse motivo, qualquer presença de alimento ou líquido no estômago pode resultar em regurgitação e aspiração. Embora esse evento seja incomum, ele representa um risco grave. Por isso, o jejum permanece como uma etapa indispensável no preparo cirúrgico.
Entretanto, manter o paciente em jejum absoluto por longos períodos pode ser contraproducente. A literatura científica já mostrou que essa prática favorece quadros de hipoglicemia, aumenta a resposta inflamatória ao trauma cirúrgico e causa desconfortos como irritabilidade, sede e fadiga. Nesse cenário, a atualização das diretrizes surgiu como resposta direta a essas limitações.
O que mudou nas diretrizes recentes?
Organizações internacionais, como a American Society of Anesthesiologists (ASA), e nacionais, como a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), revisaram suas recomendações. Em vez de aplicar um jejum absoluto e rígido, elas passaram a propor uma abordagem mais racional.
Atualmente, as diretrizes orientam que:
Líquidos claros, como água, chá ou sucos sem polpa, podem ser ingeridos até duas horas antes da anestesia; Leite materno é permitido até quatro horas antes do procedimento; Alimentos sólidos leves devem ser evitados nas seis horas que antecedem a cirurgia.
Portanto, essa flexibilização do jejum não compromete a segurança, desde que os profissionais apliquem as orientações de forma responsável.
Quais são os benefícios da ingestão de líquidos claros?
Os líquidos claros promovem hidratação e conforto, ao mesmo tempo em que apresentam rápido esvaziamento gástrico — geralmente em até 90 minutos. Desse modo, eles não aumentam o risco de complicações respiratórias durante a anestesia.
Além disso, pacientes hidratados chegam mais tranquilos ao centro cirúrgico. Eles apresentam menos ansiedade, maior estabilidade cardiovascular e menor incidência de náuseas no pós-operatório. Como resultado, a recuperação torna-se mais eficiente e menos traumática.
Em contrapartida, pacientes em jejum prolongado frequentemente manifestam sintomas como tontura, boca seca e dor de cabeça. Esses efeitos, por vezes, agravam o desconforto psicológico antes da cirurgia.
O uso de carboidratos líquidos no pré-operatório
Além da liberação de líquidos claros, os protocolos modernos — especialmente os do tipo ERAS (Enhanced Recovery After Surgery) — recomendam a administração de carboidratos líquidos, como maltodextrina, até duas horas antes da cirurgia.
Essas soluções oferecem energia de forma rápida, reduzem a resistência à insulina e promovem uma resposta metabólica mais estável ao trauma cirúrgico. Como consequência, o paciente preserva massa muscular, sente-se mais disposto e inicia a realimentação no pós-operatório com maior facilidade.
No entanto, é importante lembrar que essa estratégia não se aplica a todos os casos. Em pacientes com gastroparesia, refluxo grave ou diabetes descompensado, os profissionais devem avaliar o risco individualmente antes de indicar qualquer suplemento pré-anestésico.
Saiba mais sobre o protocolo ERAS (Inglês Enhanced Recovery After Surgery)
Quais os principais impactos do jejum racionalizado na recuperação?
Diversos estudos demonstraram que protocolos mais flexíveis de jejum pré-anestésico trazem efeitos positivos concretos. Veja, a seguir, os principais benefícios:
1. Menor resposta inflamatória
Ao evitar a privação energética prolongada, os profissionais reduzem a produção de citocinas inflamatórias. Isso contribui para uma resposta fisiológica menos agressiva ao trauma cirúrgico.
2. Retorno mais rápido da alimentação
Pacientes submetidos ao jejum abreviado apresentam melhor tolerância à alimentação precoce no pós-operatório. Consequentemente, a alta hospitalar ocorre de forma mais ágil.
3. Maior conforto físico e emocional
A ingestão de líquidos antes da cirurgia reduz significativamente sintomas como sede, fraqueza e irritabilidade. Portanto, o paciente vive uma experiência mais humanizada e segura.
4. Redução de complicações gastrointestinais
O jejum excessivo pode causar náuseas, vômitos e lentidão do trânsito intestinal. Em contrapartida, a hidratação adequada e o preparo metabólico atenuam esses efeitos, facilitando a recuperação funcional.
Em quais casos o jejum prolongado ainda é necessário?
Apesar das evidências favoráveis ao jejum abreviado, ele não deve ser aplicado indiscriminadamente. Algumas condições clínicas exigem cautela redobrada. Entre os principais casos, destacam-se:
Cirurgias de emergência, sem preparo prévio;
Doenças neurológicas ou motoras que afetam o esvaziamento gástrico;
Gastroparesia e refluxo gastroesofágico grave;
Obesidade mórbida com comorbidades associadas.
Nessas situações, o anestesiologista deve avaliar cuidadosamente o risco de aspiração e decidir qual protocolo se adapta melhor ao perfil do paciente.
Como a equipe multiprofissional garante a segurança do protocolo?
A implementação do jejum racionalizado exige atuação conjunta de toda a equipe de saúde. O anestesiologista define as orientações com base nas diretrizes. O cirurgião comunica o horário da cirurgia e ajusta a rotina hospitalar. O nutricionista indica ou não a suplementação com carboidratos. A enfermagem assegura que o paciente siga as recomendações corretamente.
Além disso, os profissionais devem fornecer orientações claras e personalizadas. Quando o paciente compreende o motivo das restrições e permissões, ele segue o plano com mais confiança.
Um novo olhar sobre o jejum pré-anestésico
O jejum pré-anestésico segue sendo uma etapa indispensável para a segurança anestésica. No entanto, o conhecimento atual permite aplicá-lo de forma mais inteligente, respeitando os limites fisiológicos e emocionais do paciente.
A adoção de protocolos abreviados, com liberação de líquidos claros e, quando apropriado, carboidratos líquidos, promove conforto, reduz complicações e acelera a recuperação.
Embora o jejum prolongado ainda tenha espaço em casos específicos, a tendência é avançar para práticas mais individualizadas, humanizadas e baseadas em evidências.
Portanto, ao atualizar-se e adotar estratégias modernas, o profissional contribui para uma medicina ética e centrada no bem-estar de quem mais importa: o paciente.
A Anesth Solutions é uma empresa focada na excelência de serviços de anestesiologia e gestão de saúde.
Responsável Técnico
dr Gustavo Brocca Moreira
CRM: 166944
RQE: 80595